quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

uma história de menino

Era um lugar distante e sem nome e a enfermeira gritou: “menino homem!”. Ser chamado dessa forma, decididamente fez toda a diferença depois.

Difícil decifrar como as coisas eram naquela época e lugar, muito menos como ele enxergava ao seu redor. Parte pelo fato de que o tempo apressou-se em mudar muito do que era, parte pela velocidade que o guiava e que mudava constantemente. Mas pode-se dizer que a tranqüilidade era perene e que a despeito das (caricatas) brigas de vizinhos, brincadeiras coletivas, traquinagens de rua, idas e vindas na quitanda, brigas por afirmação e inocentes troca de beijos com as meninas, eles não estavam deslocados do mundo civilizado e moderno.

Pro menino, antes mesmo de saber alguma coisa, modernidade era ler “Salaminho e Mortadelo”, ver de longe “Space Invaders” e perceber sem conhecimento de causa uma estranha sexualidade na “Dança dos vampiros”.

Desde pequeno sempre deu trabalho aos pais. Perfeitos novos cristãos, apesar de não serem assíduos “dobradores de joelhos”, sabiam convocar toda a rigidez católica no dia-a-dia e refletir no comportamento da prole. Muito respeito pela organização hierárquica da família era a marca registrada da educação que recebeu. Isso fez com que ele aprendesse a ter medo de todo tipo de autoridade, pelo menos até algum tempo quando ele aprendeu que ele tinha aprendido errado!

Sempre observando sem entender muito bem, o menino achava curioso os outros mais velhos, porque via que alguns eram mais organizados e que facilmente guiavam o resto quando estavam juntos. Logo ele sentiu que essa era a primeira grande diferença entre as pessoas. Sentiu que essa diferença era estranhamente natural entre as pessoas e que por isso, ia muito além do lugar pequeno em que ele morava. Claro que não era fácil o convívio de um ainda menino menino no meio de meninos homens. Numa escala evolutiva desigual, quem você acha que apanha?

Decidiu então anotar as diferenças entre os dois tipos. Notou a postura confiante, destemida, a retidão dos olhos e o balé das mãos, o pronunciar das palavras, a intensidade da idéia, a sedução do movimento contra o desleixo corporal, a idéia trôpega, a fraqueza da disputa e o medo do confronto. Pronto. Ele sabia o que ele era e como ia ser dali em diante! O instinto o levou diretamente a teoria da seleção natural sem que ele percebesse.

Gostava de brincar com a literatura de Maria José Dupré e se referia à sua família dizendo “éramos seis”, exatamente porque o romance nada tinha de rebuscado e era somente a história de uma família em busca de felicidade, teto e o pão de cada dia! O fato de ser a história da Dona Lola e sua família foi algo que ao seu futuro, como normalmente acontece, não fora avisado!

Logo chegou o tempo da tal “socialização”. Ir à escola como qualquer garoto normal. Com algum esforço e principalmente com a fundamentação de que nada se ganha sem esforço e que a sabedoria é o único bem inexpugnável do indivíduo, o menino foi estudar num colégio nos moldes das mais rígidas academias militares, para tentar alcançar o perseguido sucesso individual: ser importante; ter dinheiro; merecer amigos ilustres e influentes; se vestir com adequação; entre outras regras do mundo convencional.

continua...

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